sábado, 27 de março de 2010

Metáfora parafraseada


Era assim como ela se sentia:
Ele estava mudando. Empacotou todos os seus pertences e os colocou dentro do caminhão.
Tinha certeza de que não ia voltar mais. Havia deixado todo seu passado para trás, sem sequer pensar duas vezes.
Sem dar maiores explicações, ele se foi.
O caminhão que levava sua mudança queria chegar o mais rápido possível em seu destino. No caminho, porém, deixou cair uma caixa que continha um pequeno, vermelho e frágil abajur. O proprietário desse objeto iluminador dizia que ele era seu predileto entre todos os outros, que não conseguiria viver sem ele.
Finalmente, o caminhão chegou em sua nova moradia. Era como ele sempre sonhou.
O homem desempacotou todos os seus objetos e montou sua casa. Até colocou uma plaquinha que dizia "Lar, doce lar".
Construiu sua vida, seguiu em frente. Não podia estar mais feliz.
E, então, vocês se perguntam onde está o pequeno abajur, não é mesmo?
É, meus caros, o cara que disse não poder viver sem aquela luz construiu toda uma vida nova sem ao menos lembrar do abajur vermelho que tanto o ajudava, iluminando-o sempre.
Lá está ele se nenhuma luz, jogado ao chão, quebrado em mil e um pedaços que se estilhaçaram ao encontrar o asfalto cruel e impiedoso.
Está à espera de alguém que possa concertá-lo, juntar seus cacos e deixá-lo novo. Alguém que possa dar realmente valor àquela luz emitida por ele.

É assim que ela se sente.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Retórica do retrocesso

O sol brilhava forte em seu ponto mais alto. A cidade tinha um calor que chegava a incomodar os pedestres desavisados que haviam se agasalhado, pois esperavam um tempo mais ameno.
Os carros passavam mais apressados do que nunca, parecia que o mundo girava em uma rotação diferente e, de certa maneira, bólide.
Ela passava por entre as pessoas com aquele mesmo olhar baixo e submisso de antes. Jurou pra si mesma que iria ser diferente dessa vez. Que não cometeria os mesmos erros do passado que tanto a fizeram sofrer em seu presente e que tanto afetariam seu futuro. Em vão.
Sentou-se no último vagão e ficou observando pela janela suja o mundo lá fora. Aquele mundo a que ela não pertencia. Aquele mundo que nunca havia sido seu.
Um filme em preto e branco foi passando diante de seus olhos maquiados e um tanto quanto vermelhos por lágrimas anteriormente derramadas.
Os lugares, os cheiros, os sabores. Nada mais lhe pertencia. "Será que algum dia isso me pertenceu?", disse a garota em um longo suspiro. Suspiros, isso significava muito para ela. Claro, antes de seus sonhos rolarem o destino abaixo. Destino, isso significava muito para ela. Claro, antes de seus planos se arruinarem em mentiras e falsas promessas.
Cenas repetidas, construindo mesmas estórias, terminando em mesmos finais.
Ela ficava tentando se lembrar de como era sua vida antes de um furacão a ter destruído.
A mesma música, um olhar diferente. A mesma roupa, um cheiro diferente. A mesma estória, a espera de um final diferente.